Segurança digital e produção de conhecimento: a importância do software livre para o movimento agroecológico

Por Priscila Viana e Equipe AeR

A agroecologia e o software livre têm uma ligação filosófica e umbilical. Quando pensamos no desenvolvimento de sistemas de informação de maneira colaborativa, livre e emancipatória, podemos fazer um paralelo à ideia das sementes crioulas em oposição às sementes patenteadas e transgênicas”, afirma Allan Tygel, integrante da Cooperativa de Trabalho em Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão (EITA), uma rede que atua há mais de 10 anos no Brasil, desenvolvendo tecnologias da informação e da comunicação em software livre, em diálogo com movimentos sociais populares, redes e instituições de pesquisa.

Softwares Livres são programas computacionais cujo código-fonte tem propriedade livre, ou seja, pode ser consultado, copiado, alterado e redistribuído sem restrições. Segundo Allan, trata-se de um modelo colaborativo de desenvolvimento de sistemas, em que a propriedade privada do conhecimento é substituída por uma propriedade intelectual coletiva e colaborativa. “Esse movimento surgiu na década de 1970 e vem ganhando importância cada vez maior, especialmente no contexto atual de hegemonia das big techs – grandes empresas de tecnologia que monopolizam o mercado da tecnologia da informação através de um forte controle e comercialização dos nossos dados e da nossa privacidade”, explica o engenheiro de computação da Cooperativa EITA.

Para além da questão técnica, o software livre vem buscando fortalecer alternativas diante do controle exercido pelas grandes empresas da tecnologia da informação, ao apostar no desenvolvimento de ferramentas voltadas à construção coletiva, colaborativa e emancipatória de conhecimentos, bem como à garantia da privacidade e da proteção de dados de segmentos contra-hegemônicos, como povos e comunidades tradicionais e defensoras/es de direitos humanos.

A comunicação tem um papel central na construção de uma sociedade democrática e na conquista e defesa de direitos. É somente neste cenário que o direito à comunicação pode ser exercido de maneira livre, plural e independente, garantindo a toda a sociedade a ampla circulação de um maior número de informações diversas e qualificadas e maior proteção dos dados privados.

Agroecologia em Rede: Plataforma de saberes

É sob essa perspectiva que o Agroecologia em Rede (AeR) se torna uma plataforma referência de desenvolvimento de tecnologias da informação e metodologias para produção e partilha de conhecimentos coerentes com os fundamentos que fazem da agroecologia um movimento portador de ideias e ideais contra-hegemônicos. Concebido nos anos 2000 como uma proposta de criação de banco de dados sobre experiências em agroecologia, o AeR é aperfeiçoado ao longo do tempo e no cuidado da construção coletiva, passando por muitos processos até se tornar um sistema de informações. “É importante a gente lembrar que, naquela época, 20 anos atrás, a realidade do mundo virtual era muito diferente. No entanto, quando o sistema foi concebido, já imaginávamos que ele poderia se tornar um espaço de referência importante para aumentar a conectividade entre as muitas experiências em agroecologia que existiam por todo o país, mas que ainda estavam bastante isoladas”, relembra a assessora técnica da AS-PTA, Adriana Galvão. 

Foto: Acervo AeR

Ao longo desses 20 anos, a plataforma passou por transformações e aperfeiçoamentos conduzidos por várias mãos, mentes e corações que compõem as redes do movimento agroecológico. Mas sempre mantendo a sua essência na perspectiva de uma ecologia de saberes, ou seja, de uma horizontalidade na área do conhecimento. “Na época em que foi concebido o AeR, vivíamos um momento de multiplicação de práticas de sistematização de experiências e formação de muitas redes estaduais, regionais ou nacionais e que já tinham um acervo considerável de experiências sistematizadas. Esse material foi a base do que imaginamos à época para alimentar um espaço virtual para que agricultoras e agricultores-experimentadores pudessem ser as portadoras e portadores de suas experiências, fortalecendo assim os encontros e as trocas”, explica Adriana.

Foto: Acervo AeR

Uso de dados e segurança digital

Atualmente, são mais de 3 mil experiências em agroecologia no Brasil – e em outros países da América Latina – sistematizadas e cadastradas na plataforma. Trata-se de experiências de agricultoras e de agricultores, seus relatos de vida, as memórias de projetos e organizações, entre outras informações sobre os movimentos pulsantes da agroecologia em diferentes territórios e temporalidades. Além do acervo de experiências do campo e da cidade inicialmente concebido, o AeR também registra políticas públicas conquistadas pelo movimento agroecológico.. 

Por isso, a segurança e proteção dos dados é uma das principais questões que concernem à plataforma do Agroecologia em Rede. Não à toa, seguimos as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), e o uso de plataformas de tecnologia livre garante maior segurança quanto ao manejo dos dados, que seguem guardados em servidores protegidos por criptografia. 

Essa infraestrutura é voltada justamente para que redes do campo agroecológico se auto identifiquem e mapeiem suas experiências a partir de critérios e categorias por elas mesmas estabelecidas. Por isso, oferecer ferramentas de coleta, sistematização, gestão de informações e visualização de dados é um dos princípios do AeR, de modo que essas informações possam embasar resistências, denúncias e demais ações coletivas.

Foto: Caru Dionísio

“Hoje, a plataforma permite criar mapeamentos de experiências, de dispositivos de ação coletiva, de redes de agroecologia e de organizações que trabalham dentro desse tema. Então, cada organização ou cada grupo que tiver fazendo o seu mapeamento pode utilizar o AeR para se juntar a essa rede, ao mesmo tempo em que mantém suas perguntas próprias, seus campos mais específicos e contribuem com os campos comuns a todos os outros mapeamentos. Dessa forma, a gente consegue ter essa diversidade dentro do mapa, mas com cada um mantendo suas especificidades”, explica Allan Tygel.

Os povos e comunidades tradicionais, coletivos, movimentos sociais e populares, instituições, ONGs, grupos de pesquisa, dentre outros setores que atuam no Brasil e na América Latina, encontram na plataforma um ambiente de convergência e diálogo político e metodológico entre diferentes iniciativas populares. É por isso que o conhecimento e os dados armazenados são considerados bens comuns e preciosos para nós, dignos da segurança a eles investida.

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