Experiência Eita

TICS e movimentos sociais: o caso da Cooperativa EITA

1.Introdução

Quinta-feira, 10 de abril de 2014, 13:31h, na sala de informática de uma escola técnica na Zona Norte do Rio de Janeiro. Nas cadeiras de espera, fora dos computadores, 4 senhoras aguardam o início da aula. São rendeiras, bordadeiras, artesãs, pintoras, mas sobretudo mulheres que constroem o movimento social da Economia Solidária. Cada uma dela se organiza em um ou mais empreendimentos autogestionários, e juntas geram sua renda trabalhando de forma solitária ou coletiva, mas sempre solidária. Comercializam o fruto de seu trabalho em feiras organizadas em praças, eventos, universidades e onde mais houver oportunidade.

Enquanto aguardam a chegada dos formadores, conversam sobre a vida, os problemas enfrentados no dia a dia, o trânsito, o cansaço, e mais trânsito. Todas moram nos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, e levam de 2 a 3 horas para chegar no centro da cidade. As dificuldades da organização do movimento de economia solidária, através de seus fóruns regionais, estadual e nacional também entram na roda de conversa.

Passados dez minutos, chegam mais alguns formadores, e outras mulheres trabalhadoras da economia solidária. Finalmente, a turma se completa com 9 senhoras, um jovem e um homem de meia idade.

No momento inicial de apresentação, histórias. Surge o fantasma da informática. “Sou semi-analfabeta nos computadores”, diz uma. “Quando mexo em alguma coisa, tudo dá errado!”, profetiza outra. “Sei mexer uma coisinha aqui outra lá”, responde uma terceira mais otimista.

Em comum, a insegurança em relação à tecnologia, que pode ser explicada por sua idade, pela condição social, pelo nível de estudo, e pela presença dos “professores” que trarão o conhecimento para elas. Ao mesmo tempo, comungam da crença (esperança? certeza?) de que aquelas tecnologias que ali seriam tratadas poderiam trazer respostas objetivas a questões candentes em suas organizações, principalmente relativas à comunicação e aos canais de comercialização virtuais que poderiam aumentar suas possibilidades de vendas.

A atividade desenvolvida neste espaço, com estes atores, foi uma oficina para uso do Cirandas2. Este sistema foi desenvolvido especialmente para o movimento de economia solidária, com o objetivo de ser uma rede social e econômica. Rede social, que pudesse potencializar os fluxos de comunicação, de saberes, de práticas, e sobretudo de identidades, que pudesse, no mundo virtual, reunir militantes de um movimento real que se espalham por todo Brasil, em grande parte fora dos grandes centros, no meio rural. Rede econômica porque na economia solidária, a atividade militante se dá através do trabalho coletivo, e o Cirandas se propõe a ser um canal de comercialização adequado aos contextos de regionalidades, comércio justo, sustentabilidade, entre outros.

Durante cerca de 4 horas, as senhoras trabalhadoras da economia solidária sentaram-se em frente aos computadores e tiveram a ajuda de alguns formadores – homens, com nível superior de estudos, moradores das regiões centrais da cidade – para se cadastrar no Cirandas, ativar seus empreendimentos, inserir produtos e adicionar fotos.

Ao final, na avaliação, muitos agradecimentos, o reconhecimento da importância de se apropriar do Cirandas, ao mesmo tempo em que assumem as dificuldades no uso da ferramenta. Não faltaram palavras de perseverança, motivação renovada e esforços redobrados para fazer exercícios em casa. Foi solicitada, e prontamente atendida, a realização de mais uma formação para que se pudesse finalizar o trabalho proposto.

* * *

A partir deste causo, é possível desenvolver um sem fim de questionamentos e reflexões acerca do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) por Movimentos Sociais do campo popular. Neste artigo, pretendemos abordar apenas alguns deles, sem nenhuma pretensão de estabelecer respostas objetivas. Não que elas não sejam necessárias, andam inclusive em falta nos dias atuais. Mas infelizmente, o andar das investigações em curso ainda não permite chegar a tanto.

É importante ressaltar que algumas das reflexões que serão trazidas aqui fazem parte do desenvolvimento de uma tese de doutorado cujo título provisório é “Uso e Publicação de Dados por Movimentos Sociais”. Trata-se do estudo de um aspecto mais específico da relação entre movimentos sociais e as TICs – uso e publicação de dados – mas de forma geral se debruça sobre diversas questões pertinentes aqui.

Outra ressalva que merece destaque é em relação ao compartimento do saber de onde saem as ideias aqui postas. Não queremos endossar as separações entre as ciências exatas e humanas, como se umas fossem inexatas, e as outras, inumanas. No entanto, queiramos nós ou não elas existem, e a grande maioria da bibliografia até o momento elaborada sobre o assunto que tratamos aqui vem do campo das ciências sociais. Pode indicar que aqueles que teorizam sobre a tecnologia não a praticam, e pior, aqueles que a praticam o fazem sem reflexão.

No caso deste artigo, e de forma geral, da pesquisa maior em que ele está inserido, a proposta é que a reflexão seja feita a partir do campo da Informática. Este ponto de vista traz consigo uma forte responsabilidade, que é a realização dialética da prática que gera a teoria e que por sua vez gera uma prática melhorada.

O artigo está dividido em duas partes. A primeira traz algumas reflexões sobre as relações entre as TICs e os movimentos sociais, a partir de apontamentos teóricos e da prática cotidiana. Abordaremos questões como a necessidade ou não de desenvolvimento de TICs específicas, as consequências do uso das TICs para fins contra-hegemônicos, os movimentos sociais na era da vigilância em massa, as possibilidades do debate sobre TICs dentros das organizações e uma revisão bibliográfica sobre novas formas de atuação dos movimentos sociais a partir das TICs.

A segunda parte do artigo procura descer do mundo das ideias para a realidade da prática. Para tanto, utilizaremos o caso da Cooperativa EITA – Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão, um empreendimento de economia solidária, autogestionário, cujo foco é o desenvolvimento de TICs para movimentos sociais.

Este caso será utilizado para ilustrar tanto as possibilidades da organização de trabalhadores/as para desenvolver TICs para movimentos sociais, quanto alguns exemplos de TICs desenvolvidas no âmbito da cooperativa.

* * *

Voltemos à sala de informática da escola técnica na Zona Norte do Rio de Janeiro. Um estudante de 16 anos que ali entrasse, desavisado, poderia se espantar com o perfil das senhoras usuárias dos computadores. Chamaria sua atenção a dificuldade delas frente aos computadores, e da dos formadores em lidar com elas. Ao focar os olhos na tela, e perceber, num rápido relance, que o que estava sendo feito poderia, com maior agilidade, ser feito pela rede social usada por todos os adolescentes, ele indagaria:

“Tia, porque tu num usa o Feice?”

Em outras palavras: “Senhora trabalhadora militante de um movimento social, porque utilizar um sistema feito dentro da economia solidária, para a economia solidária, cujo investimento difere em no mínimo 3 casas decimais em relação a um outro sistema, mais simples de usar, em que praticamente qualquer pessoa pode ajudar, e pode fazer quase as mesmas coisas que a senhora conseguirá fazer com este tal de Cirandas? Porque usar um sistema que desde sua concepção leva em conta preceitos de autogestão, solidariedade, cooperativismo, transparência, participação, sustentabilidade, ao invés de usar um outro cuja finalidade é ser lucrativo para seus sócios?”

Do ponto de vista do desenvolvedor, a pergunta poderia ser traduzida por: “Porque desenvolver uma tecnologia específica para um movimento social, ou de forma mais ampla, quais são as especificidades que levam a necessidade da construção de uma tecnologia específica para grupos que se organizam afim de contestar algum aspecto da ordem estabelecida, ou mesmo a própria ordem?”

A senhora interrompe o trabalho no momento em que estava escolhendo a categoria do produto que iria a cadastrar na página do seu empreendimento solidário. Seu olhar inseguro à frente do computador se transforma num semblante tranquilo quando inicia sua resposta ao jovem:

“Meu filho, eu também uso o Facebook, com ajuda dos meus netos. Mas o Cirandas é diferente, porque ele foi construído pela gente. É nele que eu possuo um site para o meu empreendimento, por que ele é reconhecido pelo movimento como de fato um local onde se pratica economia solidária. O Cirandas permite que eu cadastre meus produtos utilizando qualidades que são da economia solidária, como ‘Produto da Reforma Agrária’, ‘Conhecimento Livre’, ‘Comércio Justo e Solidário’, e vários outros. Ele permite também que eu divulgue meu preço aberto, dizendo para os meus clientes quanto do preço final é devido ao trabalho, às matérias-primas, aos impostos e custos fixos. Além disso, quando algo não me agrada no Cirandas, eu sei com quem posso conversar, pois ele é feito por pessoas que participam do nosso movimento e compartilham da nossa visão de mundo.”

Esta visão parte do princípio de que existem que nos movimentos sociais especificidades que levam este público a ter necessidades que não serão atendidas por outros sistemas. Os sistemas convencionais, pior do que não atenderem suas demandas, moldam ou modulam o comportamento dos usuários, de modo que, ao invés da tecnologia se adaptar o usuário, é ele quem se adapta à tecnologia, que diz como ele deve se comportar.

2.TICS e Movimentos Sociais: é necessário construir algo novo?

O discurso construído dentro do campo da chamada Tecnologia Social defende que, caso tenhamos em mente uma mudança de estrutura da sociedade, devemos construir também uma outra tecnologia sobre alicerces da solidariedade, da cooperação e da igualdade social. Qualquer tecnologia construída nos braços do sistema capitalista traria consigo suas marcas, notadamente a hierarquia, a alienação, o monopólio, enfim, a exploração do homem pelo homem, do trabalhador proprietário da sua força de trabalho pelo burguês proprietário dos meios de produção (DAGNINO, 2004)⁠.

De fato, se pudermos analisar um clássico Sistema Integrado de Gestão Empresarial (SIGE), iremos notar nele todas as características do sistema capitalista de produção, sobretudo porque são sistemas voltados exatamente para gerenciar a produção dentro do sistema capitalista.

Dentro de um SIGE, a hierarquia implementada reflete a organização de uma empresa. Trabalhadores de nível mais baixo têm acesso a um conjunto limitado de informações, e a cada nível que se sobe na hierarquia, é possível acessar mais informações. Além de cristalizar a organização hierárquica da empresa, esse tipo de sistema implementa ainda a alienação do trabalhador: aqueles que se encontram na ponta não têm informações suficientes para compreender o funcionamento do todo, e não podem assim se apropriar do processo de produção. São os apertadores de parafusos dos tempos modernos.

Quem costuma frequentar supermercados já deve ter reparado um procedimento peculiar realizado pelas operadoras de caixa, na maioria das vezes mulheres, que passam horas sentadas na mesma posição em cadeiras nada ergonômicas. Quando algum produto precisa ser cancelado, a própria operadora não tem autonomia para fazê-lo sozinha. É necessário chamar um coordenador – em sua maioria homens – que digita uma senha e autoriza o cancelamento. Além da hierarquia, esse exemplo mostra outro aspecto das tecnologias convencionais: o controle dos patrões sobre os empregados. A tecnologia, ao invés de ser usada para aumentar o bem estar da sociedade, atua como ferramenta de controle.

Imaginemos que, do dia para a noite, todas as grandes empresas fossem socializadas e passassem a ser geridas de forma coletiva pelos trabalhadores. Não haveria mais patrão nem empregado, e todos dividiriam de forma justa e igualitária o fruto do trabalho. A mudança no entanto foi tão abrupta que não houve tempo (talvez nem profissionais capacitados!) para desenvolver um novo sistema de informações adequado à nova lógica de organização do trabalho. As consequências do uso do SIGE tradicional numa empresa autogestionária seriam tenebrosas.

Qual seria então a solução para uma sociedade que desejasse mudar seu modo de produção? Jogar toda a tecnologia desenvolvida na lata de lixo, e construir um novo arcabouço tecnológico do zero? Não haveria possibilidade de um meio termo, uma solução intermediária que pudesse aproveitar algo do velho, para, sobre ele, construir o novo?

É disso que se trata o conceito de Adequação Sociotécnica (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2004)⁠. Entre os extremos da tecnologia convencional e social, seria possível construir diversos níveis de adequação das tecnologias que passam de um lado para o outro de forma gradual. Esta adequação pode caminhar desde o simples uso das tecnologias convencionais contanto que se reparta o produto final gerado pelo trabalho, passando por um ganho no conhecimento do processo produtivo por parte dos/as trabalhadores/as, passando por ajustes no processo de trabalho e incorporação de conhecimentos existentes, e finalmente chegando a um outro patamar da Tecnologia Social, em que são incorporadas tecnologia advindas do conhecimento novo desenvolvido especialmente para aquele modo de trabalho.

Esta forma de entender a transição da tecnologia é muito mais palatável, pois trata de forma mais concreta de um caminho de transição, mais do que dois polos estanques.

Finalmente, existe uma terceira abordagem, que trata da subversão do uso das tecnologias: a cultura Hacker. A partir do pensamento Hacker, seria possível subverter a lógica das tecnologias e usá-las em sentido oposto. O exemplo clássico é o caso da Licença Copyleft, que usou a mesma racionalidade das licenças de Copyright, que resguardam a propriedade intelectual, para criar um instrumento jurídico que garante a propriedade intelectual livre.

A ideia seria então “hackear” as tecnologias convencionais existentes: “Nesse sentido, o verbo ‘hackear’ deve ser entendido como ‘reconfigurar’, explorar novas características, ir além do que os protocolos delimitaram, buscar a superação do controle”(SILVEIRA, 2010)⁠.

O Hacker entende que um sistema de informação pode ser utilizado de formas não previstas originalmente pelos seus desenvolvedores. Voltando ao SIGE, uma cooperativa poderia utilizar o mesmo sistema, e designar todos os trabalhadores – independente da sua função – como usuários como máximos poderes, e assim “hackear” para torná-lo pelo menos igualitário.

Após um passeio por alguns conceitos – tecnologia social, adequação sociotécnica e cultura hacker – nada melhor do que voltar ao mundo concreto para alimentar a reflexão. Consideremos o Cirandas enquanto modelo de Tecnologia Social, e o Facebook como oposto no marco da Tecnologia Convencional. Ficaríamos então com as opções:

  • Utilizar apenas o Cirandas para organização do movimento de economia solidária; ou
  • ‘Hackear’ o Facebook para que possa ser usado a favor da economia solidária, ainda que todas as informações sejam entregues de bandeja aos proprietários desta plataforma; ou
  • Desenvolver algum tipo de integração entre as duas plataformas, reconhecendo vantagens e desvantagens em cada uma delas.

A Cooperativa EITA, responsável técnica pela manutenção do Cirandas, lançou recentemente uma consulta online para os usuários do sistema com as seguintes questões:

  1. Você acha importante integrar o Cirandas com o Facebook?
  2. Você contribuiria para integrar o Cirandas com o Facebook? Com qual valor?

Os resultados são mostrados nas Tabelas a seguir:

Você acha importante integrar o Cirandas com o Facebook?

Resposta

Percentual

Total

Não

6,16%

45

Um pouco

11,22%

82

Bastante

22,16%

162

Sim, muito

60,47%

443

Total

100%

731

 

Você contribuiria para integrar o Cirandas com o Facebook? Com qual valor?

Resposta

Percentual

Total

Sim: só mobilização

51,30%

375

Sim: até R$ 20

20,25%

148

Sim: até R$ 30

9,30%

68

Sim: até R$ 100

4,24%

31

Sim: R$250 (com prêmio)

1,23%

9

Não

13,68%

100

Total

100%

731

 

O resultado apresentado na primeira tabela é claro. Mesmo que haja um reconhecimento de que o Facebook não é uma tecnologia feita nem pela e nem para a economia solidária, a grande maioria das pessoas considera importante que o sistema feito pela e para a economia solidária possua ferramentas de integração com o Facebook. Podemos especular que isso decorre do fato de que a maioria destes usuários é também usa o Facebook, e reconhece nele uma ferramenta de mais fácil manuseio do que o Cirandas.

A segunda tabela mostra inclusive uma possível viabilidade financeira do projeto. A partir das respostas, podemos esperar uma contribuição de R$10.350,00 , suficientes para custear cerca de 130 horas trabalho. Mesmo com todo o debate possível e necessário de ser feito acerca deste tema, o nível de rejeição à proposta foi baixo e sinaliza uma vontade de usar o Cirandas, e ao mesmo tempo um reconhecimento da importância do Facebook no diálogo com a sociedade.

2.1.O debate sobre TICs e movimentos sociais

Uma das maiores dificuldades em se construir tecnologia social dentro dos movimentos sociais é a baixa prioridade usualmente dada a este assunto. Para aqueles que trabalham com este tema, é bastante claro como o discurso é de que as TICs são muito relevantes na organização dos movimentos, mas na prática, outros debates assumem prioridade mais alta.

A falta de prioridade é compreensível, na medida em que os movimentos sociais funcionam no limite dos seus esforços, e há pouco espaço para reflexões que vão além das lutas imediatas. É realmente difícil priorizar a construção de um grande sistema de informação enquanto milhares de famílias passam todo o tipo de necessidade acampadas, muitas vezes há anos, debaixo de lonas pretas à beira das estradas no Brasil. Tarefas relacionadas à organização do movimento e com visibilidade de curto prazo, como ocupações, atividades de educação, saúde, e comunicação irão sempre se sobrepor ao diálogo sobre sistemas abstratos que trazem uma promessa de melhoria nos processos internos, por exemplo.

Geralmente oriundos da classe trabalhadora, das camadas mais pobres da sociedade, os militantes dos movimentos têm o perfil de relacionamento com as TICs semelhante ao de qualquer brasileiro/a pobre. Não possuem em geral acesso à Internet em casa, e ficam por vezes reféns de acesso via dispositivos móveis que podam o uso da rede, permitindo apenas o acesso a determinados serviços.

Outro fato relevante em relação ao uso da tecnologia é a forma como estudantes e profissionais são ensinados a lidar com o computador. Ao invés de ser apresentada como um campo fértil para a construção do novo, a máquina é vista como um produto acabado, o que resulta numa restrição das possibilidades criativas a partir do computador.

Esta é, portanto, uma das barreiras a se vencer na luta pela construção de uma tecnologia que possa ser apropriada pelos movimentos: provocar o debate interno, e ao mesmo tempo empoderar os militantes para que também percebam as TICs como verdadeiras ferramentas de luta.

2.2.As consequências do uso contra-hegemônico

As funcionalidades específicas da economia solidária – categorias, preço aberto, compartilhamento de rotas, etc – não são os únicos motivos que levam à construção de um sistema próprio de informações.

Quando se trata de movimentos sociais que possuem uma luta anti-sistêmica, a utilização de software livre é mais do que um simples capricho ideológico. Ter o controle sobre o código e sobre o servidor significa também ter o controle sobre os dados inseridos no sistema, e sobre o comportamento do sistema propriamente dito.

Ainda que se argumente que o Facebook foi utilizado para convocar manifestações pelo Brasil e pelo mundo, ele possui um limite claro que é sua relação com os Estados nacionais e seus governos. No atual estágio capitalismo, os Estados nacionais estão cada vez mais subordinados ao poder econômico. Assim, uma determinação do Estado poderia interceptar comunicações e até mesmo bloquear o Facebook em um país, caso se considere que as ações que por lá ocorrem atentam contra algum interesse econômico dominante. Um exemplo recente sobre isso foi o sumiço das favelas dos mapas do Google, a pedido da Prefeitura, às vésperas da Copa do Mundo3. Os locais passaram a se chamar “morro”, ou simplesmente sumiram do mapa, num claro interesse em tornar a cidade mais rentável ao mercado imobiliário.

Portanto, ao pensarmos em tecnologias voltadas para movimentos sociais, não podemos deixar de lado o aspecto contra-hegemônico que seu uso traz, e as consequências que isto pode gerar.

2.3.Movimentos Sociais no Mundo pós-Snowden

Ao analisar o uso das TICs por movimentos sociais, não há como ignorar o estabelecimento de um novo paradigma após as denúncias de Edward Snowden. Em maio de 2013, o ex-agente da CIA e da NSA (Agências de Inteligência estadunidenses) relevou milhares de documentos que descrevem programas de vigilância global, sobretudo o programa PRISM, da NSA, e as ações da agência de inteligência do Reino Unido, a Government Communications Headquarters (GCHQ).

Os documentos revelam que, além da interceptação de informações diretamente através dos cabos de fibra ótica, as agências de inteligência possuem acordos com as principais corporações da Internet – Apple, Microsoft, Google, Yahoo e Facebook – que repassam dados de seus usuários, quando solicitado.

Ainda que se saiba que a vigilância sempre existiu, hoje não há mais dúvidas de que ela é feita “no atacado”, através de bisbilhotagem massiva que considera que todo usuário da internet é suspeito. Essa forma de agir leva a uma completa inversão de valores: primeiro as pessoas são espionadas, e depois, a partir dos dados colhidos (com quem conversa, quais sites visita, qual música ouve) ele se torna suspeito. Nesse ponto tem início a vigilância no “varejo”, em que estes “suspeitos” são perseguidos de forma mais objetiva.

Há atualmente duas correntes de pensamento em relação a este tema. A primeira admite que tudo está vigiado, que não há mais nada que se possa fazer, que nem a maior criptografia resiste aos supercomputadores da NSA, e ainda mais, argumentam mesmo que utilizar criptografia é um atestado de que ali circulam informações importantes.

Entretanto, alguns grupos4 no Brasil e no mundo têm se dedicado a pensar soluções que possam minimizar os riscos de espionagem, e construir uma cultura de segurança da informação, que pelo menos torne a vigilância mais cara e trabalhosa.

As estratégias sugeridas têm foco em 3 tipos de ação:

  1. Fornecer menos dados para as empresas, ou fornecer dados errados;
  2. Utilizar criptografia; e
  3. Utilizar navegação anônima

Nenhuma destas ações irá garantir comunicações 100% seguras. No entanto, a sua utilização em larga escala poderia inviabilizar o sistema de vigilância no “atacado”. Estima-se que o custo de leitura de uma mensagem não encriptada seja de U$0,10, enquanto o uso da critpografia eleva esse custo para U$10.000.

Além da vigilância institucional do Estado, muitas empresas adotam esse expediente contra organizações que vão contra seus interesses. O relatório intitulado “Spooky Business” (RUSKIN, 2013)⁠ revela casos de espionagem de corporações como Walmart, Bank of America, McDonalds, Monsanto, Shell, Chevron, Burger King, Kraft, Dow Química e Câmara Americana do Comércio.

No Brasil não é diferente. Em 2013, um funcionário demitido da Vale revelou um complexo esquema de espionagem dos movimentos sociais que atuam defendendo os direitos dos atingidos pela Estrada de Ferro Carajás5.

No caso dos movimentos sociais que realizam ações fora da ordem estabelecida – ocupação de terras improdutivas, ocupação de prédios vazios, danos ao patrimônio de empresas que cometem crimes – fica muito claro que suas comunicações já são alvo de vigilância. Mesmo que seja já uma prática estabelecida não circular informações sensíveis via meios digitais, o uso de cuidados adicionais na rede poderia dificultar o trabalho de espiões.

2.4.Dados abertos e movimentos sociais

Se dentro dos movimentos sociais, falar de tecnologias da informação e comunicação pode não ser tão fácil, o tema dos dados abertos pode ter uma melhor aceitação. O movimento que luta por transparência pública e abertura de informações dos governos vem tendo êxito em todo mundo. Parece uma tendência irreversível a criação de portais de dados abertos governamentais6, cujo objetivo é tornar possível o controle pela população das ações dos governos, e com isso criar um ambiente propício à participação direta de cidadão na definição das políticas públicas.

Muitos movimentos sociais têm forte atuação na produção de dados primários ou derivados, através de pesquisas que revelam aspectos relacionados às violações de direitos humanos, à resistência das populações atingidas e às alternativas que elas constroem para a sociedade. Entretanto, devido a diversos fatores, incluindo a estrutura de processamento de dados, as informações não são publicadas respeitando os princípios dos dados abertos, tampouco podem se ligar a outras bases de dados relevantes.

O uso de dados também possui uma importância central na construção dos argumentos que sustentam as lutas dos movimentos sociais. Ao lutar por uma reforma agrária popular que viabilize a produção de alimentos saudáveis, movimentos camponeses se comunicam com a sociedade através dos dados do próprio Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) de que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e que cada brasileiro consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano, e que a maioria das grandes propriedades usa venenos, enquanto que a minoria da pequenas propriedades utiliza agrotóxicos (IBGE).

Os dados gerados pelo Estado, possuem (ou deveriam possuir) uma estrutura de coerência metodológica, continuidade de publicação e um alto grau de automação do processo através da inserção de ferramentas tecnológicas, como por exemplo dispositivos móveis ao invés de fichas em papel. Espera-se também que esta melhor estrutura na coleta dos dados resulte em uma maior facilidade de disponibilização dos dados em formatos aberto. No entanto veremos adiante que normalmente influências políticas e econômicas se sobrepõe a estas questões técnicas.

Já os dados gerados pelos movimentos sociais têm como característica uma carga de contestação ao discurso oficial. São dados que buscam contar outra história, e provar empiricamente o contrário do que os dados oficiais retratam. Buscam muitas das vezes dar voz, rosto e sentimento aos sujeitos que compõem as frias estatísticas dos dados oficiais. Além disso, costumam ser produzidos de forma artesanal, com poucas ferramentas tecnológicas, e sobretudo com dificuldades de continuidade na geração dos dados.

Pode ser interessante, inclusive, a definição de “dados contra-hegemônicos”, denotando dados que são produzidos com o objetivo de questionar o poder instituído (seja ele do Estado, governos ou o poder econômico) e propor alternativas emancipatórias. Neste caso, será necessário uma caracterização dos “dados hegemônicos” enquanto dados que trazem embutidos em sua concepção a manutenção da ordem social vigente.

Um bom exemplo do que poderiam ser dados contra-hegemônicos pode ser visto no sistema Intermapas7, desenvolvido a partir da articulação entre nove redes de movimentos sociais, que culminou no Encontro de Diálogos e Convergências, realizado em 2011, em Salvador. O Intermapas se propõe a ser um protocolo de diálogo entre bancos de dados georreferenciados de movimentos sociais. Através dele, é possível ter uma visão territorializada sobre denúncias, resistências e alternativas construídas nas comunidades afetadas pelo modelo de desenvolvimento.

Hoje, o Intermapas reúne 4 bases de dados georreferenciadas: o mapa de projetos financiados pelo BNDES, os conflitos ambientais, os empreendimentos de economia solidária e as experiências de agroecologia. Através destes dados, é possível obter uma narrativa contra-hegemônica dos territórios: os mapas de economia solidária e agroecologia, representando as alternativas, narram a contra-hegemonia ao trabalho assalariado capitalista e ao agronegócio, respectivamente; o mapa dos conflitos ambientais revela os problemas gerados pelo modelo de desenvolvimento hegemônico, que despreza a vida de camponeses, quilombolas e indígenas em favor da construção de hidrelétrica, mineração, entre outros; e finalmente um dos principais vetores deste modelo de desenvolvimento hegemônico, o BNDES e os projetos que financia. Cabe ressaltar que este mapa, apesar de ter um caráter oficial, só foi obtido através de uma grande mobilização por transparência neste banco público operada por um conjunto de movimentos sociais reunidos na Plataforma BNDES.

Uma grande barreira para um uso mais efetivo dos dados são os formatos inadequados sob os quais eles são disponibilizados. Um exemplo interessante para se analisar é o Dossiê sobre Impactos dos Agrotóxicos na Saúde, publicado em três volumes ao longo de 2012 (CARNEIRO et al., 2012; GIRALDO et al., 2012; RIGOTTO et al., 2012)⁠. Alarmados com o alto uso de agrotóxicos no Brasil, e com as consequências disto para a saúde a população, diversos cientistas de todo o país se reuniram para elaborar um documento que pudesse ser usado como instrumento de pressão sobre o Estado brasileiro no sentido de frear o uso de venenos. O trabalho foi de extrema importância para um conjunto de movimentos sociais que atua no meio rural, em especial a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, pois forneceu uma prova científica contundente dos males causados pelos agrotóxicos.

O Dossiê é repleto de dados advindos de diversas fontes, como por exemplo produção agrícola e pecuária (IBGE), consumo de agrotóxicos (Sindag), resíduo de agrotóxicos em alimentos (Anvisa), efeitos dos agrotóxicos na saúde (artigos científicos), pesquisadores que trabalham com agrotóxicos (CNPq), entre vários outros.

O trabalho de coleta de dados foi feito de forma artesanal, pelos diversos autores. Em alguns casos, o acesso aos dados foi dificultado pela falta de uma fonte confiável, como o caso dos dados sobre consumo de agrotóxicos no Brasil. Em outros, o maior problema se deu nas possibilidades de cruzamento de dados. Por conta dos diversos formatos de representação, e diversos níveis de granularidade, gerar informação a partir da utilização conjunta das bases se torna uma tarefa árdua.

Um exemplo: o registro de intoxicações por agrotóxico não fornece nenhuma informação relativa ao tipo de agrotóxico, e é disponibilizada através de uma plataforma de consulta online8 com possibilidades de filtragem e exportação dos resultados em formato CSV. O volume de utilização de agrotóxicos é disponibilizado até o nível das classes dos produtos (herbicidas, fungicidas, etc), em planilhas no formato XLS disponibilizadas sob demanda; e a pesquisa sobre o nível de contaminação apresenta especificamente o ingrediente ativo do agrotóxicos encontrado em determinados alimentos, e é disponibilizado em um relatório no formato PDF.

Os três níveis distintos de granularidade dos agrotóxicos (geral, classes e específico), e os três diferentes formatos de representação dos dados (PDF, XLS e consulta online) não permitem, por exemplo, que se possa associar o aumento do uso de uma determinada substância a variações na quantidade de resíduos nos alimentos ou no número de intoxicações devido àquela substância.

Uma plataforma que permitisse a consulta a todos estes dados, de forma integrada, com granularidade fina, com possibilidades de cruzamento entre dados, com opções de visualização e possibilidades de agregação de outras bases, poderia ter facilitado o trabalho e gerado resultados com maior poder de diálogo com a sociedade, um dos objetivos do Dossiê.

Caberia então analisar que outros tipos de formatos poderiam ser mais adequados. Novas tecnologias, como os dados abertos interligados, prometem facilitar a integração entre bases de dados dispersas, e incluir camadas semânticas que potencializem o uso de dados. Será importante entender se as novas tendências que estão se desenhando para o futuro da internet, como a Web Semântica, baseada no uso de dados abertos interligados, respondem a essa questão de forma positiva.

Trabalhos recentes mostraram que existe uma carência de aplicativos intermediários que possibilitem que usuários não-especialistas se beneficiem das vantagens da Web Semântica (HOEFLER, 2013)⁠. O desenvolvimento deste tipo de aplicativo pode trazer uma solução concreta para a popularização do uso de dados abertos interligados.

Neste ponto, é necessário notar que existem problemas de ordem técnica, mas sobretudo há muitas dificuldades políticas relacionadas à liberação dos dados. Um exemplo desta dificuldade política pôde ser percebido na participação do projeto “Quem São os Proprietários do Brasil” no Open Government Partnership, um programa internacional que incentiva a transparência de governos. A proposta colocada pelo projeto reivindicava a abertura dos dados relativos aos sócios-proprietários das grandes empresas, ressaltando a necessidade de transparência também para empresas privadas, que se utilizam de financiamento público de diversas formas.

O encontro com 120 participantes da sociedade civil, realizado em março de 2013, aprovou a proposta. Contudo, ao ser encaminhada aos órgãos responsáveis (Ministério da Fazenda/Receita Federal), a reivindicação não foi sequer respondida. Outras tentativas de obter os dados sobre Quadro Societário e Administradores das empresas através da lei de acesso à informação foram negadas em várias instâncias.

Incentivar a cultura do uso de dados pode contribuir para uma mudança da sociedade em busca de mais transparência, assim como de seu maior envolvimento. Apenas com a pressão popular será possível atingir níveis de transparência que possam expor situações de risco, ações interferentes do setor privado e mau uso dos recursos públicos, e assim constranger os poderes econômicos e políticos estabelecidos.

Para os movimentos sociais, é portanto necessário:

  • Lutar por transparência, seja do Estado, seja do poder econômico, para que haja subsídios concretos no embasamento das lutas;
  • Se apropriar dos dados já disponíveis, das ferramentas para seu uso, entendendo suas possibilidades e limitações; e
  • Publicar os dados que produzem, utilizando padrões e formatos que permitam flexibilidade na inserção de novas informações, que viabilizem a utilização em conjunto com outras bases e que agreguem em si uma semântica que os descreva.

2.5.As novas formas de atuação dos movimentos sociais a partir do uso das TICs

Recentemente, alguns trabalhos do campo da sociologia têm se dedicado a estudar a relação dos movimentos sociais com as TICs. Na maior parte dos trabalhos analisados, observa-se a questão pela perspectiva de quais as novas possibilidades que as TICs trazem para os movimentos, ou seja, como os movimentos se modificam e se renovam a partir das novas tecnologias. Talvez, por conta do próprio campo do saber de onde se fala, poucas vezes se percorre o caminho oposto: como se criam novas tecnologias a partir das (possivelmente também novas) demandas dos movimentos sociais? De todo modo, trazemos aqui uma breve revisão de bibliográfica de trabalhos recentes sobre o assunto.

Pereira (2011)⁠ nos traz a análise sobre como os movimentos sociais se apropriam das novas TICs para mudar as formas de organização interna e inaugurar o ativismo político online. No trabalho, o autor também traz a perspectiva dos militantes internautas ocasionais, que partem de um interesse político prévio para ter uma atuação através das TICs, como por exemplo a assinatura de petições online.

Sobre este assunto, Castañeda de Araujo (2014)⁠ analisa em sua tese de doutorado as novas formas de ação coletiva a partir da Internet, investigando especificamente o caso do Avaaz, uma organização que promove campanhas de assinaturas digitais por e-mail. Para ele, o Avaaz é fruto da reconfiguração do fazer político a partir da Internet e reflete as mudanças de repertórios de protestos e lógicas de ação.

A utilização das novas TICs por ONGs e movimentos sociais também é tema do trabalho de Oliveira (2012)⁠. O autor analisa a atuação em rede de uma ONG, e classifica a Internet como imprescindível e estratégica para o seu trabalho. Ele vai além, e afirma que o uso da Internet, ao possibilitar o estreitamento de relações entre pessoas, gera por si só uma ação política.

A dissertação de Zampier (2007)⁠ analisa o impacto e a apropriação das TICs na Coordinadora Latinoamericana de Organizaciones del Campo (CLOC), uma rede de movimentos sociais do campo na América Latina. A análise é focada sobretudo nas mudanças organizacionais ocorridas na CLOC com a incorporação das TICs. Um ponto interessante deste trabalho é que o conceito de TIC é tratado de forma mais ampliada. A autora considera a própria internet como uma TIC, a partir da qual são gerados instrumentos como e-mail, teleconferência, bate-papo, blogs, etc. Ela analisa a história da relação entre movimentos sociais e TICs, categorizando os tecnofóbicos (com referências desde os Luditas, sindicalistas que quebraram os teares no início da revolução industrial), tecnocêntricos (que veem a tecnologia como instrumento de marketing para a persuação) e os indiferentes. O equilíbrio, de acordo com a autora, são movimentos sociais que veem em cada ação uma dimensão comunicativa, colocando a comunicação e suas tecnologias associadas como ação transversal a todo o trabalho.

Outros dois trabalhos que aprofundam a análise sociológica acerca da relação entre movimentos sociais e TICs são de Paciornik (2013)⁠ e Pereira (2008)⁠. O primeiro fez uma extensa revisão bibliográfica acerca do tema, e analisou a fundo o caso de um movimento social que faz uso de TICs e as desenvolve, na periferia de São Paulo. O segundo, além de uma densa discussão sobre democracia, fez uma pesquisa de campo com 48 entidades entre ONGs e movimentos sociais acerca da forma como utilizam as TICs em suas ações.

Milhomens (2011)⁠ analisou o uso das TICs no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, e concluiu que o site do movimento é sua maior estratégia ciberativista, por conta da divulgação de notícias e documentos. Mesmo tendo a peculiaridade de ser um movimento com raízes no campo, onde o acesso à Internet ainda é baixo, o MST pratica o ativismo social e político através dos meios digitais, e ao mesmo tempo investe na inclusão digital de sua base camponesa.

O impacto na organização dos movimentos sociais também é analisado por Bahlis (2008)⁠. Em seu trabalho, ele argumenta que o aumento da complexidade da sociedade teria inviabilizado o formato centralista de organização de partidos, especialmente aqueles de inspiração leninista. As novas tecnologias da informação seriam então uma forma descentralizada, e por tanto viável de organização política, sobretudo no que tange à possibilidade incorporação da diversidade.

Como se pode ver, o campo da sociologia conseguiu calçar de maneira razoável o campo teórico da relação entre movimentos sociais e as TICs existentes. Analisou-se as transformações sofridas pelos movimentos a partir da utilização massiva da internet pela sociedade, as formas encontraram para se adaptar tanto em termos de organização interno quanto nas formas de ação, e até conceituaram um novo tipo de ativismo social feito exclusivamente através das TICs.

Uma vez mais fica evidente a falta do olhar vindo de quem desenvolve as TICs para os movimentos sociais. Até este ponto, buscamos levantar questionamentos e colocar impressões sobre as TICs não como entidades monolíticas acabadas que moldam o comportamento dos movimentos sociais, mas sim como massas de modelar que podem (na verdade, devem) ser esculpidas de modo a atender as especificidades dos movimentos sociais.

Nesse sentido, Alvear (2014)⁠ analisou dois sistemas de informação voltados para movimentos sociais (um deles o próprio Cirandas) buscando verificar as possibilidades de construção de propostas coletivas a partir destes sistemas. Este trabalho se debruça justamente sobre processos de desenvolvimento de software para movimentos sociais e sugere diretrizes para tal, com foco em métodos de participação.

3.Desenvolvimento de TICs voltadas para Movimentos Sociais

O jovem curioso estudante da escola técnica realmente começa a se interessar pelo assunto. Vendo aquelas senhoras animadas com o uso da ferramenta, e vendo os instrutores que dominavam o assunto e buscavam fazer com que elas se empoderassem da ferramenta, começa a pensar no próprio futuro. O caminho usual de seus colegas seria um emprego em alguma grande empresa de telecomunicações, em que ele seria eternamente subordinado a um patrão. No melhor dos casos, com uma pequena chance, ele mesmo viraria o patrão e subordinaria outros jovens como ele.

Diante da possibilidade aberta pelo Cirandas do trabalho coletivo e autogestionário, e principalmente, que permite a emancipação das/os trabalhadoras/as e uma apropriação dos frutos do seu trabalho, o jovem começa a pensar se não seria o caso dele mesmo ser um desenvolvedor do Cirandas. Participar do movimento social, entender seus problemas, especificidades, e se apaixonar por um projeto de transformação social que poderia melhorar a vida de muitos jovens como ele, tudo isso passava por sua cabeça diante daquela cena. De repente, algo lhe ocorre, e ele pergunta:

“Tia, gostei desse bagulho aí. Mas dá pra ganhar dinheiro com isso aí? Ou é tudo no amor?”

A atuação junto aos movimentos sociais traz sempre o dilema entre o trabalho militante voluntário, e as necessidades objetivas de reprodução da vida dos seres humanos. A economia solidária de certa forma possui como proposta equacionar essa questão, ao preconizar o trabalho associado, coletivo e autogestionário como a própria forma de transformação da sociedade. Ao negar o trabalho explorado e hierárquico, entendidos como a essência do capitalismo, trabalhadoras e trabalhadores da economia solidária negam também o trabalho não remunerado, que remete à caridade, a não à solidariedade. Na economia solidária, todos devem receber o valor justo por seu trabalho, que viabilize uma vida digna e que possibilite fazer o trabalho com comprometimento e seriedade.

3.1.A EITA Cooperativa de Trabalho

Partindo deste princípio, foi constituída a Cooperativa EITA, sigla para Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão, com objetivo principal de apoiar a luta dos movimentos sociais com tecnologias da informação e metodologias de formação associadas. A EITA é a responsável técnica pela manutenção do Cirandas, e tem um acordo com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) para repasse uma verba mensal que garanta o pagamento do número de horas necessárias para a tarefa.

Existem diversas outras cooperativas e coletivos semelhantes, mas iremos utilizar o caso da EITA para dialogar com as angústias do jovem estudante. Assim como ele, alguns militantes da economia solidária se perguntavam em 2011 se seria possível viver de um coletivo autogestionário fazendo o que sabiam: desenvolver sistemas de informação.

3.2.O início

A julgar pela demanda existente, a resposta claramente era sim. Faltava então reunir um grupo de pessoas com habilidades tecnológicas e comprometimento político para começar a oferecer os serviços. Faltava também a coragem para abrir mão de empregos formais, com carteira assinada e remuneração garantida, para começar a operar numa lógica de instabilidade.

O marco de fundação da EITA se deu em maio de 2011, quando 6 pessoas se reuniram em Arrozal, distrito de Piraí, região sul do estado do Rio de Janeiro. O local foi escolhido por ser o mais central entre pretendentes a cooperados, vindos de Brasília, Campinas, Recife e Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que, das 6 pessoas presentes a este encontro, havia 4 homens com habilidades na área tecnológica, e 2 mulheres com experiência em ciências sociais e educação popular.

A partir do mapeamento das habilidades de cada integrante, e da disponibilidade que cada um estava disposto a oferecer inicialmente ao projeto, montou-se a primeira carteira de ofertas da EITA. Esta incluía a elaboração de mapas para movimentos sociais, a manutenção do Cirandas (que já era operada por alguns membros), produtoras culturais colaborativas, portais comunitários, agregador de notícias para movimentos sociais, entre outros.

3.3.O estágio atual

Atualmente (início de 2014), a cooperativa opera com 9 integrantes, que estão geograficamente localizados no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, São Paulo, Bahia e Pernambuco. Dos 9, 7 são homens com formação em áreas das ciências exatas, e 2 são mulheres das áreas de ciências humanas. Ressaltamos este fato pois, mesmo que todos/as cooperados/as possuam habilidades interdisciplinares, e que o objeto de trabalho não admita técnicos sem sensibilidade política, e nem o contrário, ainda não conseguimos romper a barreira de gênero que faz com que as mulheres tenham grande dificuldade em se apropriar do mundo tecnológico.

A missão da Cooperativa é definida como

A EITA – Cooperativa de trabalho Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão possui como missão fortalecer as lutas de movimentos sociais do campo popular através da construção de tecnologias livres da informação e metodologias participativas para seu uso e apropriação.”

Em decorrência desta missão, cada projeto assumido pela cooperativa precisa, necessariamente, ter uma base social que legitime sua implementação. É preciso garantir que haja sempre um sujeito coletivo que de fato expresse uma demanda pelo trabalho, e é a este sujeito coletivo que a Cooperativa presta contas, independente de quem financia o projeto. A EITA é contratada pelo movimento social, que por sua vez se responsabiliza pela obtenção de recursos, seja a partir da sua própria atividade, seja através de parcerias.

O dia a dia da EITA é todo operado à distância usando ferramentas de comunicação e colaboração via internet. Há uma reunião semanal com todos as/os integrantes, e reuniões específicas de cada frente de trabalho.

Internamente, cada trabalho tem uma equipe executiva, que é responsável por cumprir o serviço contratado. As equipes definem de forma autônoma sua dinâmica de trabalho, e repassam informações na reunião geral. Em muitos casos, pelo menos um membro de cada frente de trabalho mora na mesma cidade do contratante, o que facilita o diálogo.

Além das equipes de trabalho, existem quatro grupos de trabalho dedicados às funções que dizem respeito à manutenção da cooperativa: o Bem Viver, que tem por objetivo observar a disposição pessoal de todos/as cooperados/as, e verificar eventuais problemas que precisem ser debatidos coletivamente; o Administrativo, que cuida de questões financeiras e administrativas da cooperativa, como documentos, atas e certidões, elaboração de orçamentos, cobranças, etc. ; a Análise Política, que aprofunda debates e possíveis inserções políticas que o coletivo da EITA venha a se incorporar, além de deve monitorar o andamento dos trabalhos e verificar se estão em consonância com a missão da Cooperativa, estabelecida em sua carta política; e a Formação Interna, que tem como meta avaliar temas de interesse geral dos cooperados e incentivar atividades de formação.

Duas vezes por ano são realizados os encontros presenciais, que são as assembleias ordinárias e extraordinárias da cooperativa.

3.4.Estimativa de custo e valor-hora

A metodologia para estipular o custo de cada projeto se baseia numa estimativa do número de horas de trabalho necessárias, desde a concepção do projeto, passando por desenvolvimento até a fase de testes e manutenção. Esta estimativa é então multiplicada por um valor-hora, que resulta no custo total do projeto.

A estimativa de horas é uma atividade contraditória. É necessário, antes de se começar o trabalho, imaginar o número de horas que será gasto até o final. Entretanto, em todos os projetos, as informações disponíveis no início são insuficientes para se fazer esta estimativa. Além disso, a adoção de metodologias participativas de desenvolvimento pressupõe uma flexibilidade quanto aos resultados e objetivos, dado que o caminho será definido em conjunto com os usuários, ao longo do caminhar.

A solução de compromisso entre precisão na estimativa de horas e flexibilidade dos objetivos vai sendo ajustada de acordo com cada projeto. Naquele de mais longo prazo, é possível atrelar algumas metas gerais a um banco de horas, de modo que se possa sempre reavaliar o número de horas disponíveis em relação à quantidade de trabalho necessárias para o cumprimento de cada meta.

Em projetos curtos, como página na Internet ou análises pontuais de dados, é possível utilizar a experiência de trabalhos anteriores para estimar o trabalho necessário.

O valor da hora é definido com base em algumas variáveis. A principal delas é a expectativa em relação ao ganho líquido que cada membro da cooperativa julga necessário para manutenção da sua vida e de sua família, se for o caso. Esta expectativa foi inicialmente consensuada num valor universal, mas não está descartada a adoção de valores distintos de acordo com a realidade de cada cooperado ou cooperada (número de filhos, custo de vida em cada cidade, etc).

Partindo deste objetivo final – a retirada líquida – adicionam-se outros custos para o cálculo do valor-hora final. Estes custos incluem, além dos impostos, fundos de férias e licença maternidade ou paternidade, uma variável importante: o número de horas de trabalho interno à cooperativa.

Considerando-se que a entrada de recursos ocorre apenas nas horas de trabalho externo, ou seja, aquelas horas de trabalho dedicadas ao desenvolvimento de um sistema para um parceiro, é preciso que estas horas paguem o tempo de trabalho dedicado à manutenção da cooperativa, em atividades acima descritas dos grupos de trabalho interno. O custo deste trabalho não pago é incorporado ao valor da hora, de modo que os trabalhos externos deem conta do funcionamento adequado da cooperativa.

3.5.Procedimento de entrada de novos membros

Dos 6 membros que participaram do primeiro encontro, 5 seguiram na cooperativa e mais 4 foram incorporados, totalizando nove cooperados/as no início de 2014. O processo de entrada de novos membros cumpre um rito definido em assembleia, que busca garantir um período gradual de reconhecimento mútuo entre cooperados e candidatos, por um lado, e por outro lado, busca evitar a terceirização do trabalho.

A cooperativa parte do princípio radical de autogestão entre todas e todos os trabalhadores associados. Uma implicação disto é a postura em relação à atuação de trabalhadores não cooperados. Há um entendimento de que a convivência entre cooperados e não-cooperados pode gerar um desequilíbrio, na medida em que haverá pessoas com maior poder de decisão do que as outras.

A partir do momento em que os membros identificam a necessidade de mais força de trabalho na cooperativa, busca-se definir o perfil de uma pessoa que satisfaça esta necessidade, e se abre uma chamada pública, com ampla divulgação nos espaços pertinentes. As entrevistas com os/as candidatos/as são realizadas por teleconferência pelo maior número de membros possível. Cada candidato é avaliado técnica e politicamente, e aquele com melhor desempenho é chamado a iniciar o processo de aproximação.

Este processo pode durar até três meses, em que o/a candidato/a trabalha de forma remunerada em algum projeto em que haja necessidade, e eventualmente também em tarefas internas da organização. Ao fim dos três meses, deve ser feita uma avaliação mútua, em que o candidato considera se gostaria de entrar na cooperativa, e cooperativa considera se aceita o novo candidato. O processo batizado de “aproximação pelo trabalho” já foi realizado duas vezes, e em ambos os casos a conclusão (negativa num caso e positiva no outro) foi consensual e ocorreu antes dos três meses.

3.6.Formalização

Nas primeiras discussões sobre a formação do empreendimento, o tema da formalização veio à tona diversas vezes. Foi decidido que a formalização seria feita apenas quando fosse estritamente necessário.

No início do empreendimento, é vantajoso não ter custos com contabilidade, conta bancária, etc. A receita baixa pode ser gerenciada pelos cooperados de maneira informal.

A decisão de que era hora de se formalizar foi tomada em janeiro de 2012, e o processo foi iniciado em junho do mesmo ano. Na época, havia a opção de formar uma cooperativa ou uma micro-empresa com estatuto autogestionário. A vantagem desta opção seria o menor custo de impostos e a facilidade de operação, dado que todo o sistema de controle (juntas comerciais, contadores, receita federal) ainda tem muitas dificuldades em operar com cooperativas. A desvantagem da micro-empresa é a dificuldade de entrada e saída de sócios, que só pode ser feita através de alteração no contrato social.

Finalmente, o fator de maior peso foi o ideológico, e optou-se pela forma jurídica de cooperativa. Esta forma traz consigo uma carga simbólica, já que se coloca como estruturalmente autogestionária, além de não utilizar os conceitos de salário (que carrega consigo a exploração) nem lucro (que remete à mais-valia).

O processo de formalização foi longo e penoso, e mereceria um artigo à parte para ser descrito. De forma resumida, podemos dizer que ele passou por 2 cidades e levou, desde a primeira tentativa até a obtenção do CNPJ, cerca de 19 meses.

Hoje, a cooperativa pode emitir notas fiscais para recebimento de receitas. Os/as cooperados/as recebem retiradas mensais de acordo com o número de horas trabalhadas, e estão sendo organizados fundos que podem garantir férias e licenças.

3.7.Alguns projetos

Em três anos de trabalho, a EITA já realizou uma quantidade razoável de trabalhos, com uma gama variada de parceiros. A tabela a seguir lista estes parceiros, categorizados por tipo, pelo(s) projeto(s) em que se envolve(m), e pelo papel que cumpre na parceira.

 

Nome do Parceiro

Tipo

Projeto(s) e Tecnologia(s)

Papel

Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES)

Movimento Social

Cirandas

Ator Político

Centro de Formação em Economia Solidária (CFES)

Projeto

Mapa dos Educadores da Economia Solidária

Financiador

Cáritas Brasileira

ONG

Mapa dos Educadores da Economia Solidária

Gestor

Rede de Educadores em Economia Solidária

Movimento Social

Mapa dos Educadores da Economia Solidária

Ator Político

Associação Brasileira de Agroecologia (ABA)

Rede de Pesquisa

Site ABA

Ator Político, Financiador

Fórum Brasileiro de Segurança e Soberania Alimentar (FBSSAN)

Rede de Movimentos Sociais

Site FBSSAN, Análise sobre alimentos biofortificados

Ator Político, Financiador

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento Social

Curso Técnico em Meio-Ambiente

Ator Político

Fiocruz

Universidade

Curso Técnico em Meio-Ambiente

Gestor

Apoiadores do Catarse (850)

Financiamento Colaborativo

Proprietários do Brasil

Ator Político

Instituto Mais Democracia (IMD)

ONG

Proprietários do Brasil

Gestor

Colivre

Cooperativa

Cirandas

Gestor

Rede Xique-Xique

Rede

Cirandas

Ator Político

Unisinos

Universidade

Cirandas

Gestor

UnB

Universidade

Obteia, Mapeamento da economia solidária

Gestor

Instituto InterCidadania

ONG

Escambo

Gestor

Ministério da Cultura

Governo

Escambo

Financiador

Kairós

ONG

Portal do Consumo Responsável

Ator Político

Rede de Coletivos de Consumo Responsável

Movimento Social

Portal do Consumo Responsável

Ator Político

Secretaria Nacional de Economia Solidária / Ministério do Trabalho e Emprego

Governo

Portal do Consumo Responsável

Financiador

Fundação Bohl

ONG

Análise sobre alimentos biofortificados

Financiador

Ministério da Saúde

Governo

Obteia

Financiador

Grupo da Terra

Movimento Social

Obteia

Ator Político

 

A seguir são descritos alguns dos projetos em andamento atualmente na EITA. A descrição procura mostrar a tecnologia social desenvolvida, e os movimentos sociais que dialogam com ela.

a)Cirandas

Como já comentado anteriormente, o Cirandas é o sistema de informações do movimento social de Economia Solidária no Brasil. Hoje, conta com 7893 usuários, 565 comunidades, 1751 produtos cadastrados de 649 empreendimentos ativados (de um universo de mais de 20.000 que possuem um espaço na plataforma, mas que ainda não foi utilizado).

No relatório da sua IV Plenária Nacional, realizada em março de 2008, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES) apresenta como demanda:

o desenvolvimento de sistema FBES (…) consiste num amplo sistema de integração dos empreendimentos solidários, com poderosas ferramentas de busca de produtos e serviços da ES, além de ser uma teia de relacionamentos, em que cada EES terá o seu próprio site, e que comunidades por cadeia, por ramo de atividade ou por recorte territorial, entre outros, podem ser formados e potencializar tanto a constituição de redes e cadeias solidárias, como também a troca de conhecimentos e envolvimento de consumidores não organizados” (FBES 2008, p. 78)

O sistema foi então desenvolvido como software livre pela Cooperativa de Tecnologias Livres – Colivre, da Bahia. Em 2012, a Cooperativa EITA assumiu a gestão técnica do Cirandas, ficando gestão política a cargo do FBES.

As fontes de financiamento que sustentam a manutenção e o desenvolvimento de novas funcionalidades vêm de diversos parceiros do FBES, como universidades e organizações não-governamentais. Ainda assim, o compromisso da EITA é sempre com o movimento social, representado pelo FBES.

b)Quem são os proprietários do Brasil?

Através de uma parceria com o Instituto Mais Democracia, em 2012, foi desenvolvida uma plataforma para análise de relações de poder entre empresas. O projeto incluiu a adaptação de uma metodologia de quantificação de poder e um sistema de informações que exibe na forma de um grafo as relações entre pessoas, empresas e órgãos e empresas públicas9.

Neste projeto, o problema da utilização de dados públicos para movimentos sociais ficou latente. Toda metodologia elaborada para descobrir “Os Proprietários do Brasil” se baseia em dois tipos de informação: (i) a composição acionária de uma empresa, ou seja, quem são seus donos, e em qual proporção; e (ii) a receita da empresa.

Com muito custo, foi possível obter estas informações para as empresas de capital aberto, que atuam na bolsa de valores. Formou-se então uma rede composta pela 701 empresas de capital aberto e seus acionistas, totalizando 5600 empresas privadas, pessoas, empresas públicas e órgãos de governo.

Entretanto, o Brasil possui mais de 16 milhões de empresas registradas que estão fora do levantamento pela dificuldade de obtenção dos dados. Como são dados públicos, seria possível acionar as juntas comerciais de cada estado para que fornecessem os documentos de registro de cada empresa. Outra possibilidade seria através da Receita Federal, que possui essa informação por conta do Imposto de Renda, e que até 2012 a disponibilizava livremente em seu portal.

A Receita Federal foi então acionada através da Lei de Acesso à Informação para que liberasse os dados sobre acionistas das empresas registradas no Brasil. No entanto, o pedido foi negado, assim como outros 3 recursos10. Mesmo assim, há sinais de que pelo menos duas empresas comercializam esses dados, a um custo de R$4 a R$10 por empresa11. Fica claro como o problema da liberação dos dados é, antes de tudo, político, e subordinado a interesses financeiros.

Um dos destaques em relação a este projeto foi sua forma de financiamento. Através de uma campanha de financiamento colaborativo na plataforma Catarse, foram arrecadados R$ 61.098,00 de 851 colaboradores. Esta quantia possibilitou a abertura de mais empresas além daquelas incluídas na base inicial, além da elaboração de algumas análises específicas, de um curso sobre dados abertos e participação, e do desenvolvimento de um novo portal baseado em WordPress. Esse portal utiliza plugins desenvolvidos para o projeto, e por serem software livre podem ser utilizados para fazer plataformas semelhantes em outros países.

Revelar o que há por trás do poder econômico estabelecido parece ser um tema de grande interesse da sociedade. Foram realizadas inúmeras palestras por todo o Brasil sobre o tema, gerando grande discussão. Entretanto, existe a avaliação de que mesmo com tanto interesse, houve uma baixa utilização efetiva dos dados, possivelmente pelas dificuldades de compreensão do modelo utilizado, dos algoritmos de quantificação de poder, e do próprio funcionamento do mercado em si. Uma metodologia de formação associada a esta tecnologia seria fundamental.

 

c)Rede Escambo

A demanda de uma plataforma que suportasse a realização de trocas à distância veio de coletivos de pontos de cultura do Nordeste.12

O Escambo utiliza a mesma plataforma que o Cirandas – o framework Noosfero – e através de alguns plugins implementa processos de troca de produtos e moedas alternativas.

A lógica por trás deste sistema está em fortalecer a colaboração entre empreendimentos da área da cultura, auxiliando no estabelecimento de relações que não sejam mediadas por dinheiro.

O Escambo permite que usuários se cadastrem e criem os Pontos de Cultura, que são entidades equivalentes aos empreendimentos do Cirandas. Cada Ponto de Cultura pode cadastrar produtos e serviços que oferece e pelos quais se interessa, além de permitir aceitar moedas sociais.

Depois de cadastrados os produtos, os usuários podem propor trocas entre si. Cada troca é composta por propostas, que contém os produtos e serviços a serem trocados. Uma troca vai evoluindo entre várias propostas, até que se chegue a um acordo final e a troca pode então ser efetuada, por fora do sistema. O final do processo se dá através de uma avaliação da troca feita pelos dois lados.

O Escambo ainda não pode ser implementado em maior escala por uma falta de articulação com as redes de empreendimentos culturais.

d)Curso Técnico em Meio-Ambiente

A demanda deste projeto veio de um curso organizado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, junto com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. O curso técnico em meio-ambiente foi oferecido a duas turmas simultâneas, uma no Paraná e outra no Ceará. Em cada uma delas participaram cerca de 30 educandos e educandas do MST e de vários outros movimentos sociais.

O curso foi realizado em regime de alternância, onde os momentos pedagógicos são divididos em tempo-escola e tempo-comunidade. No tempo-escola, os/as estudantes passam 1 mês juntos, de forma intensiva num mesmo local, com atividades de aulas, oficinas e leitura. Já no tempo-comunidade, cada educando/a retorna ao seu local de moradia e executa as tarefas definidas no tempo-escola junto a sua comunidade.

O trabalho final do curso é um diagnóstico de saúde na comunidade do educando/a. Este diagnóstico é composto por várias etapas feitas ao longo do curso, relacionadas a saneamento, doenças, agricultura, equipamentos de saúde, etc.

Os professores do curso relataram diversos problemas que eles supunham que um sistema de informação poderia dar conta:

  • Dificuldade de comunicação durante o tempo-comunidade: como todos os educandos vivem em área rural, a comunicação da turma quando se está fora da sala de aula é difícil. É preciso que haja um contato para dialogar sobre as atividades a serem realizadas e resolver possíveis dúvidas;
  • Dificuldade na manutenção dos arquivos pelos estudantes: todos os estudantes receberam um pen-drive no início do curso. Nele, deveriam ser guardados os trabalhos parciais realizados ao longo do curso, que comporiam o trabalho final. No entanto, a contaminação dos pen-drives com vírus ou simplesmente a perda dos arquivos era muito comum;
  • Falta de um espaço de disponibilização de material virtual, avisos, conversas virtuais, e diálogo entre orientadores/as e orientados/as; e
  • Diálogo entre educandos e educandas das turmas do Paraná e do Ceará, que estavam passando pelo mesmo processo pedagógico.

Diante deste contexto, foi construída uma ferramenta de apoio ao ensino presencial em pedagogia da alternância. O ambiente virtual foi construído a partir das demandas dos/as professores/as, coordenadores/as e alunos/as, que participaram de reuniões de especificação e avaliação de protótipos.

O desenvolvimento foi feito a partir do software-livre OpenAtrium, que por sua vez é uma distribuição da plataforma Drupal. A partir da configuração do ambiente, cada usuário se cadastra e recebe um papel (estudante, professor, coordenador) e tem acesso a serviços como: gerenciador de arquivos com possibilidade de comentários, blog das turmas, avisos dos coordenadores, chat entre usuários online, álbum de fotos, etc.

Uma das maiores dificuldades neste projeto foi o fato da implementação da ferramenta ter ocorrido próximo ao final do curso. Neste momento, já havia dinâmicas estabelecidas – trocas por e-mail, ou mesmo redes sociais – que tornaram a transição difícil. A dificuldade no acesso à internet nos locais onde eram realizados os tempos-comunidades também foi um empecilho.

Ao final do curso, foi feita uma pesquisa entre educandos e educadores, com objetivo de entender o grau de familiaridade com o computador e a internet, e obter pistas objetivas sobre a percepção de participação no desenvolvimento e no uso da ferramenta. A média de idade dos respondentes foi de 26 anos, com desvio padrão de 9 anos.

Pergunta

Sim

Não

Possui computador em casa?

73% (35)

27% (13)

Possui Internet em casa?

27% (13)

73% (35)

Frequência de acesso à Internet: Todo dia: 22,22% (10)

Pelo menos uma vez por semana: 48,89% (22)

Menos de 1 vez por semana: 22,22% (10)

Nunca: 6,67% (3)

Você usa o computador para fazer seus trabalhos?

91,67% (44)

6,25% (3)

Você usa o computador para se comunicar com outras pessoas (e-mail, facebook)?

91,49% (43)

6,38% (3)

Você usou a ferramenta desenvolvida para o curso?

81,25% (39)

18,75% (9)

Você contribuiu no desenvolvimento da ferramenta?

65,00% (26)

35,00% (14)

Você acha que a ferramenta contribuiu com o processo de ensino/aprendizagem no curso?

85,71% (30)

14,29% (5)

 

Um olhar geral sobre os dados revela que, apesar de a maioria ter computadores, apenas uma pequena parte possui acesso à Internet a partir de casa. Um número pequeno, mas considerável de pessoas não acessa a rede. É importante notar que formam relatados casos em que o acesso à Internet se dá através de um celular que restringe o acesso apenas ao Facebook. Esse fato é extremamente perigoso pois revela uma forma restrita e economicamente direcionada de inclusão digital justamente da população mais pobre e afastada dos grandes centros.

Mesmo sendo o uso da ferramenta recomendado pelos formadores, uma parcela significativa das turmas não a utilizou. Muito provavelmente, o fato da implantação ter ocorrido com o curso já em andamento e de alguns orientadores de trabalhos não terem aderido contribuiu com este resultado.

Em relação à contribuição no desenvolvimento, houve um esforço por parte da EITA em integrar os estudantes, professores e coordenadores no processo. Houve um convite formal para que alguns deles participassem das reuniões de especificação e validação de protótipos. Nem todos puderam contribuir desta maneira, em grande parte pelo fato das reuniões via teleconferência não facilitarem a participação para quem mora em locais com dificuldade de acesso à internet. Entretanto, grande parte dos estudantes afirmou que contribuiu com o desenvolvimento da ferramenta por ter dado sugestões e relatado problemas. Houve uma intencionalidade dos desenvolvedores em reafirmar a tecnologia livre com algo possível de ser construído e desconstruído.

Neste sentido, a última pergunta – ‘Você acha que a ferramenta contribuiu com o processo de ensino/aprendizagem no curso?’ – pode ser analisada de forma mais interessante pelas respostas discursivas. Apesar da maioria das respostas ter sido positiva, é das negativas que podemos retirar os melhores ensinamentos. Um estudante respondeu que “Não, porque nem todos puderam acessar”. Essa resposta revela o sentimento de unidade coletiva que a própria organização do curso incentiva. Outro educando relatou as dificuldades: “Não tive muito acesso mas acho que sim; onde moro não tem internet, só no curso não dá conta de dominar a ferramenta, não tem quase tempo.” Finalmente, um dos relatos mostrou como as ferramentas deixam brechas que podem ser hackeadas, ocasionando uma utilização não programada inicialmente: “Contribuiu muito, pois podíamos nos comunicar a todo momento e podíamos tirar nossas dúvidas olhando o trabalho dos outros.”

O desafio agora é consolidar a ferramenta utilizando em outra turma, desde o início, e elaborar um pacote contendo o software-livre customizado e a descrição da metodologia para que outros cursos possam utilizar.

e)Portal do Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas

O objetivo do Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, Floresta e Águas – Teia de Saberes e Práticas (Obteia) é “avaliar e contribuir para implantação da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF) (BRASIL, 2011)⁠ por meio de uma teia de saberes envolvendo intelectuais engajados, pesquisadores populares dos movimentos sociais do campo e da floresta e os gestores do Sistema Único de Saúde”.

Além disso, um dos objetivos específicos do projeto se refere à “identificar e construir novos indicadores e mapas com temas relacionados à implementação da PNSIPCF”. Para alcançar tal objetivo, umas das suas metas se refere à “estruturação de um painel de acompanhamento da Política por meio de um Portal de Internet”. A EITA foi então contratada para executar este serviço.

O Obteia possui três instâncias principais: um comitê gestor; uma equipe executiva; e a teia de saberes e práticas. O comitê gestor, coordenado pela Universidade de Brasília (UnB), é composto por integrantes do Ministério da Saúde, representantes dos movimentos sociais e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O grupo executivo é responsável por operacionalizar as atividades planejadas pelo projeto de implantação do Obteia, e conta com profissionais de diversas áreas.

A Teia de Saberes e Práticas envolve os dois grupos acima, além de pesquisadores, militantes sociais e profissionais do SUS ligados à questão de saúde no campo, floresta e das águas.

O desenvolvimento do portal do Obteia13 na Internet teve início em maio de 2103, quando alguns membros da Teia de Saberes e Práticas se comprometeram em formar um grupo que pudesse dialogar de forma sistemática com a EITA. Este grupo seria fundamental para que se pudesse realizar um desenvolvimento participativo (SCHULER; NAMIOKA, 1993)⁠.

Este conceito foi desenvolvido inicialmente nos países da Escandinávia, nos anos 1970, com objetivo de repensar os projetos de tecnologia a partir do ponto de vista dos usuários. As técnicas de desenvolvimento participativo preveem que haja interação dos técnicos com os futuros usuários dos sistemas (e não apenas os clientes) durante todo o processo de desenvolvimento de uma tecnologia, e não apenas na especificação e nos testes. Desta forma, utilizando-se protótipos e métodos interativos, é possível alcançar um produto final mais adequado ao uso, e ao mesmo tempo o usuário que participou do processo se empodera da tecnologia de forma mais ampliada do que seria se apenas recebesse o produto final acabado.

Entretanto a dinâmica do desenvolvimento participativo não funcionou da forma esperada. Os/as integrantes do Grupo do Portal estão em diferentes estados e organizações, com prioridades muito distintas. Nesse sentido, houve boas interações nos momentos presenciais, mas fora deles houve pouco avanço. A maior parte do diálogo no desenvolvimento do portal se dá dentro do Grupo Executivo, que de fato é quem tem o Obteia como parte da sua rotina de trabalho.

O portal hoje conta com funcionalidades que haviam sido planejadas no início, e outras que emergiram ao longo do processo:

  • Notícias sobre o Obteia, sobre a PNSIPCFA, e sobre saúde do campo, floresta e águas em geral;
  • Biblioteca Virtual, contendo livros, artigos e vídeos sobre o tema;
  • Informes mensais contendo as principais notícias, agenda e novidades da biblioteca, enviado por e-mail;
  • Ficha de informação sobre os municípios: foi desenvolvido um plugin de WordPress que recebe planilhas com informações sobre municípios, e gera uma página para cada um deles. A ficha exibe dados sobre proporção de população rural e urbana, doenças relacionadas ao meio rural, equipamentos de saúde rural presentes no município, entre outros. O objetivo é que pequenos municípios, geralmente de perfil rural, possam também se reconhecer e obter informações a partir do portal;
  • Mapa de Experiências em Saúde do Campo, Floresta e Águas: através de um formulário no site, o visitante responde a três perguntas principais: ‘O que ameaça a vida no seu território?’, ‘O que promove a vida no seu território?’, e ‘Quais as sugestões para melhorar as condições de saúde da sua comunidade?’. Com essas informações é gerado um mapa contendo ameaças e soluções à saúde destes povos no Brasil. Este mapa agrega também informações georreferenciadas sobre a implementação da PNSIPCFA; e
  • Dados Abertos sobre Saúde do Campo, Floresta e Águas: serão organizadas algumas coleções de dados abertos sobre o assunto para serem disponibilizadas ao público.

A partir destas funcionalidades tenta-se fazer com que o Portal seja uma fonte de informações relevantes para movimentos sociais, profissionais de saúde, pesquisadores e para a população em geral. Nesse sentido, o desafio é como dialogar com ribeirinhos do interior do Maranhão e engravatados de Brasília no mesmo portal. Para isso, a EITA conta com parceiros que executam as tarefas de programação visual e organização das informações.

4.Conclusões

Há várias formas de tratarmos da relação entre movimentos sociais e as tecnologias da informação e comunicação. Como pudemos observar neste artigo, a forma como os movimentos têm se apropriado das TICs, alterado sua maneira de funcionar e incorporado novos repertórios de ação, já recebeu alguma atenção de pesquisadores, sobretudo vindos das Ciências Humanas.

No entanto, parece haver uma lacuna no sentido inverso: ao invés de pensar como os movimentos se adaptam às novas TICs, é também necessário compreender quais são os requisitos e especifidades para se desenvolver novas TICs adequadas à forma de funcionamento dos movimentos.

A primeira tarefa neste sentido parece ser animar os próprios movimentos sociais neste debate, afinal não serão agentes externos que dirão como devem ser os artefatos tecnológicos utilizados por eles. E essa animação só pode existir com uma elevação considerável no nível compreensão acerca das TICs, eliminando medos, mitos, e ressaltando a importância delas para as lutas contemporâneas.

O uso contra-hegemônico das TICS não pode ocorrer sem uma reação vinda dos poderes pré-estabelecidos. Por isso, quanto maior for o controle das organizações sociais sobre a tecnologia que usam, maiores as chances de sucesso. Nesse ponto, o uso de tecnologias livres é fundamental, assim como a autonomia sobre servidores que guardam seus dados.

A vigilância estatal e privada também precisa ser levada em conta. Faz parte da tomada de consciência dos movimentos sociais sobre as TICs entender o papel do anonimato e da criptografia para se manter atividades minimamente sigilosas. Faz parte também entender que a comunicação nunca será 100% segura.

A batalha pela informação livre também deve entrar na pauta de lutas dos movimentos sociais. A publicação, em formatos abertos e interligáveis, de dados relacionados ao Estado e às corporações é importante para municiar os movimentos sociais com informações. Da mesma forma, é importante que os movimentos publiquem os dados contra-hegemônicos por eles produzidos, de forma que a realidade possa ser contada à sua maneira.

Ainda que partindo de pouca reflexão teórica, e altamente limitados pelas condições objetivas da vida real, desenvolvedores e desenvolvedoras têm se esforçado no sentido de produzir tecnologias em diálogo com os movimentos sociais, a partir das suas demandas e especificidades.

É o caso da Cooperativa EITA, formada por integrantes que buscam mesclar habilidades de programação, educação popular e articulação política. O coletivo tem desenvolvido redes sociais e econômicas, redes de trocas, sistemas de visualização de dados, apoio à pedagogia da alternância e portais, sempre em parceria com movimentos sociais que formam a base de utilizadores das ferramentas.

Desenvolver TICs para movimentos sociais é um desafio intrinsecamente sociotécnico. Não que programar um SIGE para uma grande corporação não o seja. A diferença se encontra precisamente em entender o sociotécnico não apenas como processo que perpassa questões de ordem social e técnica, mas sim como um posicionamento político de se utilizar o conhecimento técnico em favor de uma sociedade justa, solidária e principalmente livre das alienações, tanto do trabalho, quanto da tecnologia.

 

* * *

Após o término da aula, o jovem estudante da escola técnica na Zona Norte do Rio de Janeiro se dirige ao trem que o levará para sua casa, no subúrbio da cidade. Ao chegar na estação, encontra por coincidência novamente a senhora com quem havia dialogado mais cedo. Ambos descobrem que moram no mesmo bairro, e terão ainda 2 horas de conversa.

A conversa entre os dois está para ser construída por todos/as aqueles/as que participam e apoiam a luta dos movimentos sociais, acreditando que o uso e desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação é um componente crucial na luta de classes contemporânea.

A chave de toda esta história pode estar na juventude. A geração que nasce a partir dos anos 1990 é aquela que tem a possibilidade de enxergar nas TICs a construção do novo.

Se é verdade que o Facebook foi utilizado para organizar os ‘rolêzinhos’ nos shoppings de São Paulo no início de 2014, então ele foi hackeado. O sistema construído para vender propaganda de marcas inacessíveis à classe trabalhadora moveu milhares de jovens negros e pobres para dentro dos shoppings, apavorando as elites legítimas consumidoras destas mesmas marcas.

Quando a juventude que tem capacidade de olhar para as TICs enquanto processos em construção, enquanto massas de modelar à espera de escultores, quando ela compreender as TICs como instrumento em busca da libertação das suas opressões, então a conversa entre os nossos personagens terá tido sucesso.

Bibliografia

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1Este artigo não poderia ser escrito sem as contribuições da Maria Luiza Machado Campos, orientadora da minha tese de doutorado, e das companheiras e companheiros da EITA: Rosana Kirsch, Fernanda Nagem, André Luis Monteiro, Bráulio Oliveira, Daniel Tygel, Pedro Jatobá e Vinicius Brand.

2Sistema de Informações da Economia Solidária – http://www.cirandas.net

3A pedido da Prefeitura, Google faz remoção virtual no mapa do Rio de Janeiro – http://comitepopulario.wordpress.com/2013/04/07/a-pedido-da-prefeitura-google-faz-remocao-virtual-no-mapa-do-rio-de-janeiro/

4Os coletivos Saravá (https://www.sarava.org/) e Actantes (http://www.actantes.org.br/) organizam, com outros, o evento CryptoRave (https://cryptorave.org/), uma versão brasileira da CryptoParty, ação internacional descentralizada com objetivo de difundir ações sobre segurança da informação.

5http://www.apublica.org/2013/09/abrindo-caixa-preta-da-seguranca-da-vale/

6Por exemplo no Brasil (dados.gov.br), EUA (data.gov), Reino Unido (data.gov.uk), entre vários outros.

7http://www.fbes.org.br/intermapas/

8Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN): http://dtr2004.saude.gov.br/sinanweb/

9http://www.proprierariosdobrasil.org.br

10Veja a história completa aqui: http://cirandas.net/tag/LAI

11Pelo menos a Procob (distribuidora Serasa – http://www.procob.com/pacotes-comprar-credito/) e a Neoway (https://idetecta.neoway.com.br/) comercializam dados sobre composição acionária de empresas, sem especificar como os obtém.

12http://www.escambo.org.br

13 http://www.saudecampofloresta.unb.br

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